Parto e nascimento são eventos transformadores na vida de mulheres e bebês e, na maioria das vezes, não apresentam riscos. Estudos recentes sugerem que o modelo medicalizado de nascimentos, em que há excesso de intervenções no parto, como o uso de medicamentos para indução ou aceleração do mesmo, amniotomia, anestesia, episiotomia e, principalmente, a cesariana desnecessária, resultou, dentre outras, no aumento da taxa de nascimentos prematuros.
Diante da necessidade de aprofundar o estudo das repercussões destes procedimentos sobre os desfechos maternos e neonatais no país e, mais, atendendo ao Edital MCT/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTID/DECIT n°057/2009, criou-se o projeto “Nascer no Brasil: Inquérito nacional sobre parto e Nascimento”, coordenado pela Dra. Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, com a participação de renomados pesquisadores de um grande número de instituições científicas do país.
O intuito dessa pesquisa era conhecer melhor a atenção ao pré-natal, ao parto, ao nascimento e ao puerpério no Brasil, bem como estimar prevalência da prematuridade e a incidência de complicações clínicas imediatas ao parto e após o parto, tanto em mães quanto em recém-nascidos. Descreveu-se, ainda, a prevalência de morbidade materna grave (near miss materno) e desenvolveu-se o conceito de morbidade neonatal grave (near miss neonatal).
Sobre a pesquisa
A pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre o parto e o nascimento”, é um estudo de base hospitalar com abrangência nacional, coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz), com participação de renomadas instituições públicas de ensino e pesquisa.
A pesquisa acompanhou 23.894 mulheres e seus bebês em estabelecimentos de saúde públicos, conveniados ao SUS, e privados, que realizaram mais de 500 partos por ano, entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Foram coletados dados em 266 hospitais de 191 municípios, incluindo as capitais e algumas cidades do interior de todos os estados do país.
Foram entrevistadas 90 puérperas em cada hospital, com permanência de pelo menos sete dias em cada um deles, o que viabilizou incluir mulheres com partos durante o dia e à noite, bem como em finais de semana e feriados. Também foram extraídos dados do prontuário da puérpera e do recém-nascido e do cartão de pré-natal. Duas outras entrevistas, por telefone, foram realizadas, sendo a primeira após o puerpério (42º dia), e a segunda entre seis e dezoito meses após o parto. Foram entrevistados os gestores de todas as maternidades, o que possibilitou conhecer aspectos da estrutura e do modelo de atenção ao parto nesses serviços.
Documentos associados
Sumário executivo temático da pesquisa
Sumário executivo do suplemento da revista Reproductive Health
Puérperas
Hospitais
Municípios
Fotografias: Bia Fioretti. ENSP/Fiocruz.
Metodologia
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz sob o CAAE 0096.0.031.000-10. Todos os cuidados foram adotados para garantir o sigilo das informações coletadas, tanto das mulheres e de seus conceptos quanto das instituições, sendo os dados apresentados de forma agregada pelas cinco macrorregiões do país.
A aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa reconhecido nacionalmente foi fundamental para que o projeto tivesse aceitação nas diferentes instâncias em que o mesmo teria que transitar. O projeto também foi aprovado pelo Comitê de Ética da maioria das instituições em que a pesquisa foi conduzida.
Foram elegíveis para este estudo todas as mulheres admitidas nas maternidades selecionadas por ocasião da realização de parto e seus recém-nascidos, vivos ou natimortos (com 500g ou I.G. < 20 semanas), durante o período em que a equipe esteve no estabelecimento de saúde. Foram excluídas da pesquisa puérperas que não permitisse a comunicação com o entrevistador, seja por algum transtorno mental; estrangeiras ou indígenas que não compreendessem o idioma e surdas/mudas, por não dispormos de pessoal que se comunique em Libras. Mulheres admitidas após o parto (parto em domicílio, em via ou transporte público ou, ainda, em outra unidade hospitalar) também não foram elegíveis.
A duração da coleta de dados variou de uma semana a quatro meses, dependendo do número de partos ocorridos no estabelecimento de saúde. É importante ressaltar que nos estabelecimentos, cujo número de partos/dia fosse igual ou superior a 13, a coleta de dados poderia ser completada em um intervalo menor que sete dias. No entanto, para manter a definição de coleta de dados em todos os dias da semana, as puérperas a serem entrevistadas foram sorteadas aleatoriamente, a partir de uma planilha pré-definida, considerando a listagem de internação diária por ordem de nascimento.
Instrumentos de coleta de dados
Diante dos diferentes desfechos a serem estudados durante a pesquisa, foram estabelecidos cinco instrumentos para a coleta de dados, a saber:
- Entrevista com a puérpera ainda durante a internação hospitalar (Questionário Puérpera);
- Coleta de dados do prontuário materno e do recém-nascido (Questionário Prontuário);
- Entrevista com gestores locais sobre a estrutura da unidade hospitalar (Questionário Estrutura);
- Entrevista com a mulher após o parto, por via telefônica, realizada por empresa especializada contratada especificamente para esta finalidade;
- Fotografia do cartão pré-natal das gestantes e dos laudos de seus exames de ultrassonografia para posterior transcrição para instrumento de registro de dados
As entrevistas com as puérperas e a coleta dos dados de prontuários foram realizadas diretamente em netbooks, previamente preparados com programas desenvolvidos para o registro das informações e posterior exportação dos dados para a central de armazenamento. Esse programa possibilitou uma crítica prévia à entrada dos dados, agilizando a utilização do banco de dados. Cada entrevistador e cada supervisor recebeu, antes do início do trabalho de campo, um login e uma senha, que eram armazenados junto com os dados da entrevista/prontuário e permitiam a identificação do responsável pelo preenchimento do instrumento.
A decisão de utilizar netbooks, em vez de instrumentos impressos, embora tenha resultado em um menor tempo para a chegada do dado ao servidor da pesquisa na Fiocruz, exigiu da equipe um esforço redobrado na elaboração das questões, uma vez que não haveria a possibilidade de deixar respostas em branco para preenchimento posterior, após consulta aos supervisores. Esta decisão implicou que todas as possibilidades de respostas para cada uma das questões tivesse que estar contemplada para reduzir, ao máximo, as dúvidas sobre o item a ser marcado pelos entrevistadores.
Foi definido um cronograma de treinamento das equipes de campo de cada Estado da Federação precedendo o início da coleta de dados. Ficou acordado que todo o treinamento seria coordenado por um membro da equipe central para permitir a sua padronização, especialmente na aplicação de formulários eletrônicos, no envio dos formulários para o servidor da Fiocruz e no acompanhamento da coleta de dados em tempo real, tanto pela equipe estadual quanto nacional.
Antes do início do trabalho de campo, o coordenador estadual e o supervisor de área visitaram o município selecionado com a responsabilidade de entregar uma carta da coordenação do projeto ao gestor municipal, acompanhada de uma cópia resumida do projeto e do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Três termos de consentimento livre e esclarecido foram entregues: um para ser assinado pelo gestor aceitando a inclusão do município no estudo e os outros para dar ciência de que o mesmo foi entregue ao diretor do estabelecimento de saúde e às puérperas selecionadas para o estudo. Os supervisores foram responsáveis pelo agendamento de visita aos estabelecimentos de saúde selecionados. A equipe de campo permaneceu na instituição o tempo necessário para completar o número de puérperas amostrado. As puérperas que aceitaram participar foram entrevistadas no pós-parto imediato, no horário de sua conveniência ainda durante a internação na maternidade.
Durante o trabalho de campo todo entrevistador utilizou camiseta, mochila e crachá com a identidade visual da pesquisa, a fim de permitir sua identificação pelos profissionais do hospital e pelas puérperas. Informações dos prontuários foram obtidas após a alta da puérpera e do recém-nascido.
Cada entrevistador e supervisor recebeu um logine senha antes do início do trabalho de campo, que foi armazenado junto à informação recolhida em entrevistas e em documentos médicos, permitindo, assim, a identificação das pessoas responsáveis pelo preenchimento dos questionários. O questionário, em si, possuía identificação, com códigos para o estado, o município e o hospital, bem como para o tipo de questionário e ordem das puérperas na unidade.
Para evitar erros ao longo do estudo, adotaram-se as seguintes medidas:
- Respostas que não podiam ser inseridas por que o programa de entrada de dados as bloqueava como inválidas.
- Na fase de teste, tentamos identificar todas as respostas possíveis que cobririam a diversidade regional do Brasil, considerando o escopo da pesquisa;
- Quaisquer questões que não pudessem ser aplicadas devido à resposta dada na questão anterior não apareceriam na tela do entrevistador, evitando, assim, respostas impróprias ou irrelevantes e permitindo que a entrevista fosse mais rápida;
- As respostas eram armazenadas ao fim de cada tela e caso uma questão não fosse preenchida corretamente ou deixada em branco, o programa notificava o entrevistador, não permitindo a continuidade da entrevista até que o problema fosse retificado;
- Questionários completos permaneciam no programa até serem exportados. Inicialmente, os questionários foram exportados para o desktopdo próprio netbook. Mais tarde, esses arquivos foram salvos em um USB e entregues ao supervisor de cada unidade, responsáveis pelo envio dos questionários para a unidade do Rio de Janeiro da Fiocruz, onde todos os dados estavam sendo armazenados.
Acesso online da base de dados permitia monitoramento em tempo real por parte da coordenação do projeto.
Foram estimadas as prevalências e os respectivos intervalos de confiança para todos os desfechos deste estudo, levando-se em consideração a estratégia de amostra utilizada. A associação entre variáveis demográficas, socioeconômicas da puérpera, complicações obstétricas e neonatais foram investigadas em análises bivariadas, estratificadas e em modelos multivariados. Os testes estatísticos foram aplicados de acordo com a distribuição dos dados e homogeneidade das variâncias dos grupos a serem comparados. Em todas as análises foi levado em conta o delineamento complexo de amostragem.
Principais resultados
No setor privado, a proporção de cesarianas chega a 88% dos nascimentos. No setor público, envolvendo serviços próprios do SUS e os contratados do setor privado, as cesarianas chegam a 46%. A recomendação da OMS é para que as cesarianas não excedam 15% do total de partos, pois estudos internacionais vêm demonstrando os riscos das elevadas taxas de cesariana tanto para a saúde da mãe quanto a do bebê.
Independentemente do nível socioeconômico, a demanda por cesáreas parece ser baseada na crença de que a qualidade do cuidado obstétrico está associada à tecnologia usada no parto e nascimento. Levando em consideração essas informações, esse estudo apresenta, pela primeira vez, um panorama nacional do parto e nascimento no Brasil de acordo com regiões geográficas, capitais e não-capitais, no setor público e privado.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa venham a contribuir com relevantes informações acerca das condições socioeconômicas das mulheres, seus fatores de risco gestacionais, acesso aos serviços de saúde, qualidade do atendimento, condições do parto além dos principais desfechos obstétricos e neonatais. Espera-se ainda que os resultados produzidos possam fornecer evidencias cientificas sobre as atuais condições de nascimento para o Ministério da Saúde, gestores estaduais, municipais, entidades de classe, operadoras de planos de saúde e usuárias do sistema de saúde, com vistas a estabelecer um pacto para melhoria da qualidade da atenção e redução de intervenções desnecessárias.
Taxa de cesariana por região e serviço
Uso dos serviços de saúde de acordo com a cor a pele materna
Uso dos serviços de saúde de acordo com a idade
Uso dos serviços de saúde de acordo com a classe
Equipe
Coordenação Geral
Dra. Maria do Carmo Leal
Coordenação Central
Dra. Silvana Granado Nogueira da Gama
Dra. Mariza Miranda Theme Filha
Dra. Rosa Maria Soares Madeira Domingues
Dr. Antônio Augusto Moura da Silva
Dra. Jacqueline Alves Torres
Dr. Marcos Augusto Bastos Dias
Dra. Maria Elisabeth Lopes Moreira
Dra. Sonia Duarte Azevedo Bittencourt
Coordenações Regionais
Norte
Dra. Rejane Silva Cavalcante
Nordeste
Dr. Álvaro Jorge Madeiro Leite
Dr. Paulo Germano de Frias
Centro-Oeste
Dra. Daphne Rattner
Sudeste
Dra. Carmen Simone Grilo Diniz
Dra. Sônia Lansky
Sul
Dra. Eleonora d’Orsi