ReGHID

Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls in contexts of Protracted Crisis in Central and South America – Reparando as desigualdades de gênero na saúde de mulheres e meninas deslocadas em contextos de crise prolongada na América Central e do Sul

O estudo multicêntrico “Necessidades e desafios relativos à saúde sexual e reprodutiva de mulheres adultas e adolescentes migrantes”, é o recorte brasileiro de um projeto mais amplo chamado ReGHID – Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls in Contexts of Protracted Crisis in Central and South America.

No Brasil, objetiva analisar a saúde sexual e reprodutiva de mulheres adultas e adolescentes migrantes, que se deslocaram da Venezuela para Boa Vista (Roraima) e Manaus (Amazonas) no contexto de crise na América Central e do Sul. 

O estudo foi desenvolvido com metodologias mistas de pesquisa, utilizando abordagem qualiquantitativa, de janeiro/2020 a dezembro/2022. 

A coordenação geral do ReGHID é realizada pela professora pesquisadora de Saúde Global da Universidade de Southampton, Pia Riggirozzi. A equipe da ENSP/Fiocruz em parceria com colegas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) coordenaram o estudo no Brasil.  A associação entre variáveis sociodemográficas com a saúde sexual e história reprodutiva das mulheres foi investigada em análises bivariadas, estratificadas e em modelos multivariados.

Foto: Bruna Curcio

Contexto

Países da América Central e do Sul estão enfrentando um fluxo sem precedentes de refugiados e migrantes. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 2019) cerca de 7 milhões de venezuelanos e meio milhão de migrantes de El Salvador, Guatemala e Honduras fogem para países vizinhos desde 2015 . Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (2019), até 2018, mais de 400 mil venezuelanos haviam solicitado refúgio no Brasil, sendo que grande parte dessas solicitações foram feitas somente no ano de 2018.

A migração funciona como determinante da condição de saúde precária dessas populações. O processo migratório representa consequências imediatas nos Sistemas de Saúde dos países receptores, e, também, revela efeitos intergeracionais e de longo prazo no desenvolvimento social e no bem-estar dos migrantes, em particular das mulheres.

As mulheres representam cerca de 50% da migração venezuelana para o Brasil. Mulheres, sobretudo adolescentes, são especialmente vulneráveis em deslocamentos prolongados enfrentando sérios desafios à saúde: riscos de estupro, tráfico de pessoas, agressão sexual, abuso e outras ameaças relacionadas à pobreza, violência sexual, estigma, discriminação, idioma, diferenças culturais, e acesso inadequado a serviços de atendimento nos locais de fronteira, em trânsito e em assentamentos. Tudo isso, exacerba os riscos para a saúde reprodutiva e sexual dessa população e limita ainda mais suas perspectivas de bem-estar e desenvolvimento, já comprometidas devido à pobreza e a misoginia em seu país de origem.

O projeto Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls in contexts of Protracted Crisis in Central and South America (ReGHID) desenvolveu estudos para lidar com a questão das desigualdades de gênero em relação ao deslocamento prolongado.

Migração, gênero e os direitos sexuais e reprodutivos

Situações de deslocamento prolongado interferem na igualdade de gênero, desenvolvimento e subsistência, desafiando a capacidade dos Estados de proteger a saúde e os direitos dessa população. As experiências e necessidades de saúde reprodutiva e sexual de mulheres, adultas e adolescentes, deslocadas nos corredores Sul-Sul da América Central e do Sul, têm sido amplamente ignoradas e pouco pesquisadas.

Esse déficit de produção de conhecimentos impacta também os sistemas nacionais de saúde nas comunidades receptoras que também precisam de apoio. A acomodação do deslocamento em massa representa um desafio para os governos anfitriões, pressionando ainda mais sua capacidade de fornecer serviços e infraestrutura básicos. Dificuldades relacionadas à promoção da saúde funcionam como mais uma barreira para atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da Agenda 2023 da ONU. Como consequência, muitas vezes, são atores não estatais, incluindo instituições religiosas, que atendem as necessidades de saúde dos deslocados, oferecendo frequentemente apoio aos seus direitos.

Tudo isso demonstra a importância de pesquisa como o ReGHID, que junto de acadêmicos, formuladores de políticas públicas e organizações não-governamentais conduziu estudos capazes de formular novos conhecimentos e evidências sobre os desafios contextuais dos direitos à saúde sexual e reprodutiva enfrentados por mulheres, adultas e adolescentes, em situações de deslocamento prolongado na América Central e América do Sul. Como consequência, será possível propor estratégias baseadas em direitos, sensíveis a questões de gênero, para incentivar o desenvolvimento de políticas com respostas abrangentes às questões dos refugiados, em apoio à Agenda 2030 (ODS) e ao ACNUR/ONU.

Fotos: Bruna Curcio

Metodologia

Esta investigação compreendeu abordagens qualitativa e quantitativa; diferentes técnicas de coleta de dados (entrevistas estruturadas, semiestruturadas, observação de campo, análise documental). Múltiplos agentes sociais foram pesquisados (mulheres adultas e adolescentes venezuelanas deslocadas, gestores e profissionais de saúde).

Os dados foram coletados no período de agosto de 2020 a julho de 2021, em duas capitais brasileiras: Boa Vista (RR) e Manaus (AM).  Estas cidades foram escolhidas por concentrarem o maior número de migrantes venezuelanos, considerando sua proximidade com Pacaraima (RR), cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela.

Características da amostra

As participantes foram mulheres e adolescentes venezuelanas em situação de migração no Brasil, profissionais de saúde e gestores envolvidos nos cuidados a essas mulheres. Os critérios de inclusão para participação na pesquisa foram ser mulher venezuelana, em idade reprodutiva, que considerou o conceito da OMS, período como de 15 a 49 anos, ter se mudado da Venezuela para o Brasil há menos de 3 anos e ter sido convidada para participar da pesquisa

A seleção das participantes da parte quantitativa do estudo foi realizada pelo método Respondent-Driven Sampling (RDS) em que os dados são coletados por meio de sucessivos ciclos de recrutamento, ou ondas.  O RDS se inicia com a seleção de algumas mulheres que atendam aos critérios de inclusão do estudo e sejam lideranças na comunidade, as chamadas “sementes”. Cada semente recebeu um número fixo de mais três convites (cupons) para convidar mulheres conhecidas do mesmo grupo populacional para participar da pesquisa. As participantes que chegaram aos locais de estudo com um cupom válido, e que cumpriram os demais critérios de inclusão foram consideradas elegíveis para o estudo. Essas receberam novos convites para convidarem mulheres conhecidas que tinham o mesmo perfil para participarem do estudo. Esse processo se repetiu até que se chegasse ao tamanho amostral de 1.257 mulheres em Boa Vista e 755 em Manaus, totalizando uma amostra final de mais de 2.000 mulheres.

Também foram selecionados gestores e profissionais de nível superior de diferentes categorias que desenvolviam atividades nos diversos níveis de atenção e instituições governamentais e não governamentais envolvidos no cuidado de mulheres migrantes. 

Objetivos

Geral

Analisar a saúde sexual e reprodutiva de mulheres migrantes, adultas e adolescentes, que se deslocaram da Venezuela para o Brasil.

Específicos

  • Identificar as características socioeconômicas e reprodutivas das mulheres migrantes venezuelanas estudadas;
  • Conhecer sua história na perspectiva da migração;
  • Avaliar o estado de saúde, acesso a exames, tratamento e hospitalização nos serviços de saúde;
  • Avaliar os gastos com saúde feitos no percurso migratório;
  • Identificar necessidades e experiências vividas relacionadas ao direito à saúde sexual e reprodutiva; 
  • Identificar o acesso aos métodos contraceptivos;
  • Avaliar o acesso a serviços de saúde qualificados e suporte psicológico em caso de aborto;
  • Avaliar o acesso ao pré-natal;
  • Identificar a ocorrência de maus-tratos e violência durante o processo migratório;
  • Conhecer as percepções de gestores e profissionais de saúde sobre saúde sexual e reprodutiva e direitos de mulheres migrantes;
  • Avaliar o impacto do deslocamento nos sistemas locais de saúde voltados para a saúde sexual e reprodutiva, observando as obrigações dos estados de trânsito e dos receptores, para garantir que o direito humano à saúde de todas seja respeitado e protegido;
  • Identificar estratégias para atender às necessidades ligadas à saúde sexual e reprodutiva em locais de trânsito e assentamento;
  • Analisar as respostas do sistema de saúde às necessidades e direitos relativos à saúde sexual e reprodutiva.

Equipe

O Projeto ReGHID no Brasil buscou a melhoria do conhecimento acadêmico para o desenvolvimento de políticas públicas, gerando e divulgando novos dados sobre a situação da saúde sexual e reprodutiva do grupo mais vulnerável nos corredores de migração forçada Sul-Sul, no que tange a mulheres adultas e adolescentes. Os resultados pretendem contribuir com a melhoria do acesso às necessidades de saúde sexual e reprodutiva e para mudanças nos serviços de saúde inclusivos e responsivos, baseados em direitos.

O projeto viabilizou parcerias e trabalho colaborativo entre equipes de pesquisadores do Reino Unido e Brasil e, dentro do Brasil, entre instituições científicas do Norte, Nordeste e Sudeste. De igual maneira, acarretou maiores e melhores formas de multiplicação de reflexões frente ao objeto de estudo aqui contemplado. As intervenções políticas ou emergentes da sociedade civil organizada encontrarão, nos resultados fonte bastante consolidada de referência intelectual para a multiplicação de discussões e práticas a serem levadas adiante.

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